1 de junho de 2013

Síndrome de Raul Gil



Um dos grandes males da minha geração é algo que chamo, assim de brincadeira, de "Síndrome de Raul Gil". Essa geração cresceu com uma expectativa exageradíssima sobre sua capacidade e sobre o seu destino. Foi marcada com um senso desproporcional de protagonismo e dotada de um senso de realização pessoal irracional muitas vezes delirante. Ninguém consegue convencer as pessoas dessa geração, quando é o caso, de que não sabem cantar, nem atuar, nem dançar, que são feios, suas vozes são horríveis, não tem nenhum carisma nem talento e que, muitas vezes, são ignorantes e/ou burros demais para o que pretendem fazer. Nada consegue tirá-las da sua ilusão de 'gracinha da mamãe' - tudo as machuca, desrespeita, ofende suas heroicas escaladas rumo ao Olimpo. Consideram-se prontos e acabados desde o nascimento, celebridades ainda não descobertas apenas pela inveja que imaginam receber de todos ao seu redor. Cada uma dessas pessoas uma revelação 'urbi et orbi' para o mundo. Às vezes até tem algum talento, mas não conseguem desenvolvê-lo por causa da incapacidade total de avaliar seus potenciais com honestidade.A frustração da não-realização dos seus sonhos de infância causa então um sofrimento enorme nestas pessoas. Elas, muitas vezes, acabam caindo na promiscuidade e nas drogas para fugir de uma realidade que avoluma-se cada vez diante dos seus olhos: a de que provavelmente são medíocres. E mutilam-se: tomam esteroides, tentam afirmar a personalidade tatuando o corpo inteiro com símbolos que desconhecem, implantam silicone, fazem plásticas agressivas, ficam anoréxicas, são vitimizadas pela moda e pelo consumismo voraz.Talvez até nem sejam mesmo medíocres; mas como convencê-las de que elas precisam se aperfeiçoar? Jamais conseguem se desenvolver em nada por pura incapacidade de exercer alguma humildade sobre si mesmos. São imunes a qualquer 'anamnese' possível. Em busca de ser estrelas comportam-se como buracos negros. Talvez por isso a minha geração seja tão ressentida e magoada. As ideologias enxergam, com muita esperteza, esse mar cheio de peixes e atiram a rede que volta farta. Eu sei que 'tudo-pode-ser-só-basta-acreditar-tudo-que-quiser-você-será', mas talento é algo raro. E fama é algo inexplicável; está aí o You Tube para comprovar. A celebridade não é um direito, mas sim uma graça efêmera que vai e volta como o vento. Ainda existe uma coisa chamada 'sorte'. É claro que muitos conseguem se libertar dessa síndrome e encontrar alguma consolação na vida. E muitas vezes ela é encontrada em uma inesperada habilidade de cultivar jardins, no prazer da contemplação de um mistério religioso ou no amor de uma mulher e filhos. Muitos infelizmente não conseguem e perecem pelo caminho na tristeza infinita de uma sarjeta, no fundo de uma espiritual garrafa de desalentos eternos. A nossa geração precisa retornar urgentemente ao empreendimento mais essencial da jornada humana sobre a Terra, empreendimento mesmo do qual os poetas, profetas e filósofos perseguiram com tanta obsessão e esperança: a busca do 'Eu' e a conquista definitiva de uma verdadeira personalidade.

*cena do filme "Inland Empire", de David Lynch

5 comentários:

  1. O livro Outliers (Foras de Série em portugues) de Malcolm Gladwell, demonstra que o necessário para o sucesso é ter 10000 horas de treinamento duro no que se deseja aprender.

    O talento, na verdade, é gostar de fazer algo a ponto de treinar as 10000 horas necessárias.

    A leitura do livro é altamente recomendada.

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  2. Ótimo texto! Vejo muitos e muitos exemplos dessa síndrome bem próximos.

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  3. Acho que existe no texto uma contradição . No finalzinho , ele diz que alguns conseguem se libertar da síndrome e encontrar consolação na vida : contemplação de um mistério religioso , cultivar jardins , etc. Ora , o próprio autor reconhece que uma isto é um consolo , algo de menos valor que a tal escalada rumo ao Olimpo . Mas não é justamente por achar que não existe algo mais importante do que o louvor das multidões que muitas pessoas se iludem em tal síndrome?

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  4. Eu sinceramente detesto essas coisas . Há uma serie de homens , na faixa dos cinquenta anos , realmente medíocres , que se encontram avaliando e vaticinando quem tem ou não tem talento numa área em que ele próprio não é dos melhores . Eles se julgam doutrinadores . A síndrome do Raul Gil não causa danos somente ao individuo por ela acometido .

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O único troll aqui sou eu!!!