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26 de março de 2016

"Prometheus" - Ridley Scott rindo da ciência moderna


"Prometheus"decepcionou muitos fãs daquele universo "Alien" imortalizado no cinema pelo talento de Ridley Scott para a ficção científica espacial. Bobagem. Só decepcionou aqueles que esperavam mais do entretenimento fácil, repleto de explicações demais, com ação de videogame, que é o feijão-com-arroz da Hollywood de hoje. Ninguém quase esperou um filme denso, filosófico, cheio de referências externas, de premissas misteriosas tão cheias de imaginação. 

O 'prequel' de "Alien, o Oitavo Passageiro" é uma virada no universo Alien, muito mais místico e aberto a possibilidades; menos niilista, sem deixar de continuar insólito, cético, escatológico, irônico e sádico, com palavras e imagens aterrorizantes.

Em 2093, a nave "Prometheus" vai a um planeta distante na esperança de contatar uma inteligência extraterrestre que possa explicar a origem da vida na Terra, trazendo a bordo uma tripulação de cientistas patrocinados por um magnata moribundo (Weyland). Acompanham a missão dos navegadores a filha de Weyland (Vickers, interpretada pela magnética Charlize Theron) e David, um andróide que o magnata trata como seu filho predileto.

O filme começa com belas imagens da Terra primordial. Um ET extremamente VIRIL se sacrifica às margens de um rio e desencadeia uma versão poética para a teoria da panspermia: a teoria de que a vida na Terra veio do espaço. Seu corpo se desfaz, e seu DNA é incorporado ao meio ambiente, dando início a criação da Vida. Se o Engenheiro - como são chamado esses seres ao longo da trama - fizeram isso "por amor", não sabemos. Talvez tenha sido apenas colonização, investimento obscuro de uma civilização obscura. Ou como é dito logo mais no filme: "porque eles podiam".

Adiante.

COMEÇA O SPOILER: ASSISTA AO FILME PARA MELHOR USUFRUTO DA RESENHA.

1 - David, o menino que quer ser gente

Dois anos separam a Terra desse mundo distante nas estrelas. A tripulação em animação suspensa é assistida neste intervalo pelo robô-andróide David (Michael Fassbender, um dos maiores atores de sua geração). Enquanto acessa as memórias e sonhos de toda a tripulação através das esquifes que monitoram a saúde e o sono dos tripulantes, David ouve música clássica, acessa a internet e parece assistir a TODOS os filmes da cinematografia existente. Numa das cenas, imita os gestos de Lawrence da Arábia com perfeição. Claro, que logo ele se torna o mais humano de todos na nave. E também o mais perigoso. Uma mistura de Hal-9000 com Pinóquio, e ares de charme perturbador.

2 - A tripulação

Compõe a tripulação um time de cientistas, geólogos, médicos e arqueólogos, como o casal Elizabeth Shaw e Charlie Holloway- os descobridores do planeta distante que logo chamaram a atenção do magnata Weyland para o planejamento e execução de uma viagem rumo ao encontro dos "Engenheiros" da ração humana.

Vickers é a Diretora da Missão, estando ali para garantir o investimento de Weyland.

E ao contrário do Alien de 1979, apenas três operários e alguns mercenários. Um empreendimento entretanto mais científico, bem diferente da "Nostromo" da tenente Ripley, cuja função era de ser um cargueiro de minério espacial.

Na reunião, após a hibernação traumática de dois anos, eles são informados de que o motivo de estarem ali é para provar a existência da origem da vida na Terra e encontrar o "Criador". Mesmo patrocinados pela Weyland Corporation, todos dão risada daquela suposta loucura patrocinada com milhões. Exceto David, que já formula no seu íntimo sua agenda pessoal secreta.

3 - Os Engenheiros

Logo a lua do gigante gasoso LV 223 é explorada, e acham uma estrutura construída por algo inteligente. Deslumbrados pelo novo mundo, fazem uma descoberta empolgante atrás da outra, desvendando uma espécie de depósito ou base. Os ETS Engenheiros então são vistos em uma reprodução holográfica dos seus últimos momentos naquele lugar: foram exterminados por uma força desconhecida, algum acidente biológico. David explora o lugar com mais intimidade que o resto da tripulação, levando amostras, desvendando hieróglifos, abrindo portas. Com menos medo também por ser um andróide sem alma. Ali aconteceu um holocausto. Uma cabeça de Engenheiro é levada e é feita a descoberta tão esperada nos laboratórios da "Prometheus: somos descendentes dos tais Engenheiros. Enquanto isso, dois cientistas imbecis se perdem na pirâmide e sofrem terrivelmente os horrores daquelas criaturas insólitas que lembram serpentes, aranhas, órgãos sexuais devoradores de gente e vermes pré-históricos.

4 - A experiência de David - que despreza a Humanidade - e os padecimentos do casal Shaw

O casal representa dois tipos de cientistas: Charlie é a mente fechada ao Transcendente, com respostas fáceis, tipo "a vida é banal no Universo"; Elizabeth (a deslumbrante Noomi Rapace, ô menina linda!), rebate: "Mas eu não dou a Vida". Shaw sofre por não engravidar. Charlie se conforma com ter descoberto os Criadores da raça humana; mas ela rebate: "Mas quem os criou?"

David - que não dorme nunca -  conhece a natureza humana dos tripulantes o suficiente para prever reações e movimentos. Então infectou antes Charlie Holloway com a substância dos cilindros da estrutura Alien, com o casal fazendo sexo após a cena nupcial filosófica. A cena anterior é cheia de significados elucidativos.

O andróide embebeda Charlie usando o copo para contaminá-lo com a substância negra. Simulando intimidade e descontração, protagoniza o diálogo que define os planos de David: 
- "Por que vocês nos criaram?"
- "Porque nós podíamos."
- "Você pode imaginar o quanto seria decepcionante se você escutasse essa mesma resposta do seu Criador?"

David o contamina com gosto, e por tabela a doutora Shaw também. Seu subtexto certamente seria: "Ah, é seu humano desprezível filha da puta? Vou levar você ao seu Criador e mostrar a você como eu me sinto. Sem amor e sem sentido. Vou mostrar que você não passa de um robozinho desalmado também. Com um leve diferença, é claro: sou mais aperfeiçoado. Enquanto você é só um macaco tocado pelos deuses."

Eis a agenda secreta de David: substituir os humanos e até mesmo o seu criador. Essa agenda secreta o leva até a Câmara do Engenheiro, onde descobre dominar a tecnologia deles com facilidade. O menino feito de pau agora acredita ser Deus ele próprio. 

"Grandes coisas tem pequenos começos".

5 - A virada da Missão

Sucessão das tragédias. Charlie adoece. Vickers o mata alegando protocolo de descontaminação. Shaw vai pra enfermaria onde David já a espera para dar a ela a Boa Nova: "Você está grávida!". Shaw não confia no andróide e exige retirar o alien do seu ventre, não sem que antes David retire a Cruz do seu peito e revele o quanto sabe sobre ela e sua relação com o pai católico que morreu "abandonado por Deus". David é mau e sádico. Um Pinóquio sinistro. Uma tecnologia a serviço de uma força de aniquilação maligna como Hal-9000. Sob um manto de charme. "Para criar, às vezes, algo deve ser primeiro destruído". Shaw foge. Se vira nos 30 retirando a criatura bizarra do ventre por conta própria, trancando a coisa no módulo de Vickers. Cambaleante descobre a verdade da missão: o magnata Weyland estava o tempo todo ali, em criogenia, caindo aos pedaços, sequioso do encontro com os Engenheiros, se preparando para o seu próprio milagre de ser salvo da morte. Weyland é o Prometheus que quer roubar o fogo dos deuses, alcançando a imortalidade, arrogante, não aceitando nada mais nem menos do que ser um deus ele também.

Shaw descobre que não é a única a buscar um sentido para a existência humana ali naquela nave. Descobre que também está ali para roubar o fogo dos deuses.

- "Onde está a sua Fé?"

Descobrimos no final dessa virada a verdade: Vickers é filha de Weyland. Ele busca o Pai, mas nunca amou a Filha. E fez dela uma criatura ainda mais desumana que David, o andróide. Pobre humanidade.

6 - Hora da verdade (ou não?)

Um cientista volta como monstro-alien e faz o diabo na nave. "A razão produzindo monstros". Cai a ficha de que todo aquele lugar é uma nave que serve de base para os Engenheiros que perderam o controle de suas armas biológicas para uma destruição da vida espalhada pelo Universo por eles próprios. Isso deixa Shaw chocada. Janek, o comandante-piloto da Missão partilha de sua preocupação com o destino da Terra com a chegada dessa arma biológica (que são os aliens da série "Oitavo Passageiro"). 

Shaw compõe o séquito de Weyland que vai conversar com o Engenheiro remanescente escondido por David. David jura dominar a situação. Shaw interroga o Engenheiro exigindo respostas para a destruição da Criação. David é decapitado, como um boneco. Weyland e seu séquito são todos mortos. Em cena poética, o Criador e seu Filho agonizam um lado do outro contemplando a falta de sentido, a crueldade de um deus ofendido sem um pingo de amor. Shaw escapa a tempo de implorar a Janek para que não deixe a nave alienígena partir, pois iria para a Terra. É atendida pelos nobres peões da Missão. Tal sacrifício jamais seria feito por nenhum dos outros tripulantes, todos cientistas egoístas e imediatistas, inseguros e medrosos. Vickers, que não é diferente, indiferente à Humanidade tanto quanto David, se não ainda mais, corre da nave dos súbitos mártires, em vão, perecendo sob o peso da desconhecida e insólita nave que lembra um monstro abissal lovercraftiano, destruído pelo sacrificio humano.

7 - A doutora Shaw, a mística de Damon Lindelof que enfrenta o universo niilista de Ridley Scott

David está humilde agora. Ou simplesmente deseja continuar a sua agenda. Sua jornada para dentro do ventre da baleia foi em vão. Decide ajudar Shaw que está em crise espiritual, sem forças para levantar. David dá a solução: pode dominar a tecnologia das outras naves. Shaw reage e vai até o módulo de Vickers para se salvar da morte sem oxigênio. Lá encontra o seu "filho" e é seguida pelo Engenheiro, avisada por David na última hora. O Engenheiro é consumido pela criatura insólita. A criatura devora o seu Criador.

Shaw negocia ajudar David em troca da Cruz do seu Pai. David se alia a ela na busca para compreender o porquê da decisão dos Engenheiros em destruir a Criação em todo o Universo. Mulher e serpente de língua bifurcada juntos novamente em busca da Árvore do Conhecimento. 

Nasce o Mal, uma criatura que gerará a destruição encarnada, um demônio da escuridão do espaço. Mas também nasce o bem da busca pelo Sentido em uma mulher e em um andróide.

8 - "Prometheus" inverte o Universo Alien

Nessa nova "timeline" (que também é prequel e spin-off), Ridley inverte duas premissas básicas desse universo:
- a saga dessa vez vem da Terra para o Desconhecido; ao contrário da saga da Tenente Ripley, que vem do Desconhecido à Terra;
- a criação agora revela-se masculina - portanto, judaico-cristã - expressa claramente na virilidade dos ET's gigantes, na relação de Shaw com o pai, com o Pai da sua religião (narração dizendo "ano 2093 - ano de Nosso Senhor"), e na relação de Vicker e David com seu pai Weyland.

CONCLUSÃO

9 - Ridley ri da ciência moderna novamente e aponta a Ciência Verdadeira

Ridley, no Universo Alien, ridiculariza o otimismo da corrida espacial. Diz, em 1979, para a humanidade deslumbrada que lá na escuridão do espaço pode ter apenas morte e destruição, não civilizações coloridas e nem batalhas de Jedis e  doutores Spocks amiguinhos dos homens. Agora ele o humilha dizendo que pode perder a cabeça como David e quebrar a cara na presença dos deuses como Weyland. Mas não está tão niilista assim. Elege a doutora Shaw como a síntese da verdadeira Ciência que pode nos trazer verdadeiro sentido e respostas, que foi responsável pelos avanços verdadeiros do conhecimento humano de todas as épocas, a despeito da arrogância da ilusão moderna e "iluminada": uma síntese de Fé e de Razão.

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10 de junho de 2015

Ordem e sentido em J.R.R. Tolkien e George R.R. Martin.




Escrevi algo semelhante sobre GoT depois que assisti a segunda temporada. Deixei de assistir, mas até onde acompanhei senti o mesmo tédio ao ler sobre a Idade Média em autores marxistas. Como nos livros, vi na série (pelo menos até ali) apenas uma maçaroca ininterrupta de fatos aleatórios sem um fio condutor, tal como o identificado por Voegelin como "o sentido da história". Reitero: não sei se essa "Ordem" é desvelada por trás do caos com o decorrer das temporadas. Não aguentei esperar. O que senti foi exatamente o que o Taiguara Fernandes de Sousa sentiu: NADA. A verossimilhança não passa dos pequenos dramas de alcova, todos atomizados diante de um cenário tão instável como areia movediça, onde nem o bem e nem o mal parecem ter alguma função espiritual. Como nos livros marxistas sobre a Idade Média eu vi apenas luta pelo poder, guerras e guerras, reis que morrem, golpes, revoluções - sem qualquer ordem aparente ou finalidade. Não sei se é porque havia assistido muito recentemente "The Tudors" que, apesar das várias liberdades históricas e estéticas, sempre mostrou naturalmente o ponto de vista divino, o sentido transcendente das ações, como cimento que junta os tijolos do caos. É esse ponto de vista, ainda que meio oculto, que se percebe claramente em Tolkien. Foi o mesmo que percebi em The Walking Dead onde o desespero e a selvageria delineiam claramente a falta de uma Ordem, permitindo que se sinta a presença constante da ausência de Algo. Game of Thrones me pareceu bem condizente com o título: um jogo de tronos, um lance de dados, tal como a Idade Média parece sem o ponto de vista sobrenatural do Cristo e do Corpo Místico na historiografia marxista. Pareceu a mim a Idade Média sem Deus perfeita para quem só enxerga a superficialidade da aventura humana.

Confira o texto do Taiguara:
"Eu estou assistindo a atual temporada de Game of Thrones atrasado.
Contudo, em vista do momento atual, não pude deixar de notar como a religião em George Martin toma duas formas: primeiro, o desleixo mundano; segundo, o fanatismo assassino. Não existe na literatura de Martin até o momento uma religião verdadeira e amiga da razão humana. Ou a religião é instrumento de barbarismo ou o é de puritanismo fanático, que beira ao ódio.
Alguma semelhança com os discursos laicistas atuais?
É curioso, mas essas são justamente as duas únicas formas pelas quais os laicistas modernos conseguem ver a religião - para eles, algo por si irracional. A religião separada do Logos - o Cristianismo é a religião do Logos - abandona a razão e se torna barbarismo ou fanatismo. O Cristianismo é uma proposta contra isso, de uma religião baseada na razão, como Ratzinger gostava de ressaltar.
Em George Martin a razão só pode ser humanista, nunca há uma religião racional. Ela sempre é irracional e, por isso, é transmitida pelo autor nas duas formas acima. Devido a isso, a religião se torna um instrumento de politização e estatização fácil, pois desprovida de sua ligação essencial com a Razão Divina - o "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" não existe.
Eu não sei como a história vai se desenrolar - tenho todos os livros e preferi deixar para lê-los depois de ver a série - mas o autor me parece, até o momento, um autêntico secularista moderno.
Se Tolkien tinha uma literatura profundamente espiritual, em que a ordem natural era essencialmente ordenada pelo Logos de Ilúvatar, a proposta de Martin é [ou parece ser] exatamente o contrário: o espiritual é irracional em si mesmo, a razão pura não admite estas coisas. É por isso que não há um senso de ordenação na obra de Martin: o que acontece hoje, muda imediatamente amanhã; quem está vivo agora, morre no segundo seguinte. A ordem vem da razão e a cosmogonia de Martin é irracional - não há um Logos Divino, a desordem impera absoluta no domínio da Criação. Só a razão política poderá garantir ordem, isto é, o Estado humanista, secular e laico (ou que, ao menos, tenha as religiões sob seu controle).
Digo isso porque muita gente gosta de falar em semelhanças entre Tolkien e Martin, mas, como espectador de ambos (e muito mais tolkieniano que martiniano), eu só vejo dessemelhanças.
Não há duas literaturas mais distintas em sua filosofia, cosmogonia e escatologia do que as de J.R.R. Tolkien e George R.R. Martin."

Leia também o primoroso artigo de Carlos Ramalhete sobre Game of Thrones na extinta Revista Vila Nova.

21 de setembro de 2013

O filme "Anjos e demônios" de Ron Howard e o fascínio de Dan Brown pela Igreja


"Se Dan Brown parece fascinado pela Igreja, é preciso reconhecer que não é o único: em Roma existe agora mais peregrinos que nunca"Pe. John Wauck, da prelazia pessoal do Opus Dei, nascido em Chicago, professor de literatura e comunicação da fé na Universidade Pontifícia da Santa Cruz, em Roma, estudou história da literatura na Universidade de Harvard.


Perto daquele fiasco que foi "Código da Vinci" (também de Ron Howard), considero-o até muito interessante em vários aspectos: a fotografia de Roma e que alude ao Vaticano é esplendorosa, as atuações são boas, a trilha é interessante e a edição excelente (em especial nas cenas de ação).

Ron Howard, entretanto, é bastante 'hollywoodiano". Acontece que quase sempre ele foi, na minha humilde opinião, um narrador bem competente. Certinhos, comerciais, porém bem dignos de um par de ingressos, foram por ele dirigidos "Uma Mente Brilhante", "Apollo 13" e "Cocoon" (meu preferido; a trama sobre ET's é mero pretexto pra falar da velhice).

Felizmente nesse filme Howard me surpreendeu ao revalorizar a sua habilidade narrativa em detrimento da verborragia e do 'enrolation' do desastroso "Código". 


Surpreendeu-me novamente o filme ao exibir no roteiro um raro equilíbrio no trato das questões entre fé e ciência, permitindo na tela uma dignidade a Santa Igreja e a Fé que é raríssima no cinema de hoje. 

Até me despertou curiosidade sobre o livro... 

Aí que buscando críticas sobre o filme achei essa fantástica entrevista de um padre da Opus Dei que afirma algo que há muito já disse sobre esses produtos culturais que usam/abusam de referências - principalmente negativas - sobre o catolicismo. Esses produtos referenciam-se a Igreja porque creem que nas imagens e símbolos pertencentes a ela residam um verdadeiro poder, uma irresistível atração e autenticidade. Falei disso também no artigo que fiz analisando o filme "Ágora", do diretor chileno Alejandro Amenábar.


Das peças e romances blasfemos da Revolução Francesa às paródias de Madonna e Lady Gaga, aludir a Santa Igreja e seus dogmas quase sempre redundaram em lucrativo sucesso. O Pe. John Wauck mata a charada ao comentar o livro. E provoca:

(essa passagem não consta no filme)

- Pe. Wauck: Dá a impressão de que estamos lendo o Catecismo da Igreja Católica, ao invés da novela de Dan Brown. A passagem é esta: 

"Pedro é a pedra. A fé de Pedro em Deus foi tão firme, que Jesus o chamou de ‘a pedra’, o discípulo incomovível sobre cujos ombros Jesus construiria sua Igreja. Neste lugar, pensou Langdon, na colina do Vaticano, Pedro havia sido crucificado e enterrado. Os primeiros cristãos construíram um pequeno santuário sobre o seu túmulo. À medida que o cristianismo se estendeu, o santuário cresceu, passo a passo, até converter-se nesta basílica colossal. Toda a fé católica havia sido levantada, literalmente, sobre São Pedro. A pedra"
(“Anjos e demônios”, cap. 118).

O filme demonstra no roteiro perplexidade semelhante diante dos mistérios da Santa Sé deixando posicionamentos mais radicais em suspenso.

Entrevistador: Você não acha que com esta entrevista estamos promovendo gratuitamente o filme?

- Pe. Wauck: Quem está promovendo quem? Esta é a questão. Possivelmente, há publicidade nas duas direções, mas se consideramos o tempo, as energias e os milhões de dólares empregados na produção e promoção deste filme, eu diria que nós estamos levando a melhor parte. Isto é, que talvez Deus esteja se servindo de Hollywood para atrair a atenção de alguns sobre as riquezas da fé e da cultura católicas.

Isso me faz lembrar a velha constatação de como a Igreja cresce mesmo na adversidade. E que eu gosto ainda mais desse filme.

Aqui o trailer (que, é claro, ressalta os aspectos conspiratórios da trama):



11 de agosto de 2012

Do porquê que o Teatro me fez crer em Deus



Esta imagem das Olímpiadas que vi pela internet deixou-me especialmente emocionado. Postei no Facebook essa imagem com o comentário de que "Todo sonho alcançado vem do triunfo da Inocência". Logo recordei uma história pessoal.

Tenho que assumir que compartilho com o grande Nelson Rodrigues a opinião que ele tinha de si:

"Aos 18 anos eu era de uma ignorância enciclopédica"

Não que ela tenha diminuído, é claro, mas a minha superava a Barsa e a Enciclopédia Britânica juntas. Nelson já escrevia em jornais. O máximo que fiz quando adolescente foi escrever poemas mimados e servir de cobaia para experimentos de engenharia comportamental da MTV.

Foi exatamente aos 18 anos que comecei a fazer teatro. Comecei como um hobby, uma ocupação passageira para uma folga da universidade de Psicologia. E talvez pela oportunidade de ter tido bons mestres (além de ter um ego do tamanho do mundo), logo me deparei com duas dificuldades perturbadoras: nunca havia lido nada de importante na vida e tinha uma secura de imaginação. Meu ego juvenil - intoxicado de 'poder jovem' -, é claro, não suportava essa limitação. Eu estava pronto. Eu era "da geração que iria mudar o mundo". Desnecessário dizer que não acreditava em nada que não fosse eu mesmo; Deus então, nem passava pela minha cabeça. Eu era o adulto primordial, a besta metafísica que tinha no umbigo a consumação dos séculos.

O que acontecia era que simplesmente eu não tinha sobre o que falar em cena. Meu universo era tão somente a TV, as conversas entre amigos sobre a TV e, no máximo, livros que comentavam sobre algo que passava... na TV. Como eu não sabia ler nada que ultrapassasse uma Super Interessante, o simples contato com uma personagem de Nelson Rodrigues, ou uma estrofe de Shakespeare ou um verso misterioso de Eurípedes revelava-se uma tarefa humilhante.

Claro que tive alguma sorte. Meus professores de teatro (os grandes Ronald Bergman e Paulo Santana) jamais me estimularam a fazer o que chamam hoje de 'dramaturgia pessoal' (que, na minha opinião, não passa de uma muleta para atores semianalfabetos incapazes de entender uma ordem inversa, e que, assim usam um termo quase-acadêmico para disfarçar sua total incapacidade de se alçar ao 'sentimento do mundo') Não. Meus professores queriam que eu compartilhasse da mesma essência teatral a qual eles tiveram acesso e que arrisco a dizer que era e ainda é a mesma transmitida ininterruptamente, via mestre e discípulo, através destes 2500 anos: a verdade teatral que surge da brincadeira e da infância.

E essa postura essencial não era a que eu trazia para os meus ensaios. Eu queria - como na tal 'dramaturgia pessoal' - falar do "MEU mundo". Achava que todas as técnicas de palco serviam apenas para o mundo tivesse finalmente a oportunidade de conhecer Luiz Fernando Vaz.

Meu primeiro contato com a essência do teatro se deu ainda no meu primeiro espetáculo. E quis a bondade divina que fosse um Auto de Natal. Na peça, eu interpretava um pastor daqueles que estão entre os primeiros a ser visitados pela Estrela. Nas coxias, aguardando para entrar em cena, aconteceu o milagre que prendeu-me ao teatro. Fiquei tão mesmerizado quando ligaram os refletores que estanquei como uma mula.

Ali, enquanto era empurrado para o palco pelos outros atores, percebi instantaneamente toda a dimensão da minha ignorância naquele theatro mundi e neste palco outro em que vivemos: JAMAIS tinha visto uma peça em toda a minha vida. Jamais havia contemplado NADA na minha vida que não fosse eu próprio. A primeira vez que estava 'vendo' uma peça eu ESTAVA nela e - porca miséria! - estava ali esperando que o mundo contemplasse a mim. Errando a música e a coreografia, voltei a perceber aquilo que a criança percebe automaticamente quando chega a este mundo: que é necessário estender-lhe os braços não como quem oferece, mas como quem pede. Diante do público que me cravava os olhos, percebi que é preciso receber algo para ter o que oferecer. Mais tarde encontraria em Stanislavski essa certeza que para se doar é preciso primeiro se possuir. Finalmente, no final da peça, a atriz que representava a Virgem Maria levantou o Menino Jesus para que todos O adorassem. Então tive a certeza absoluta do que havia perdido: a Inocência.

Repentinamente, eu não era ninguém mais neste mundo e nem naquele outro que se abria por trás das cortinas. Como um bebê, estava totalmente desnudo e vulnerável. Mais uma vez. Foi então que percebi que jamais seria um ator se não me permitisse a brincar e ser como o pequenino que arregala os olhos perante às maravilhas do mundo.

Mas não; já tinha amarrado uma pedra de moinho no pescoço e me afogado nas profundezas do mar. Já tinha feito tropeçar o pequenino que eu era e agora ele jazia sob o peso do mar, sob o peso inteiro do mundo, incapaz de voltar à superfície - esquecido, abortado, morto.

O deus do teatro não é Dioniso, é o Menino Jesus. Dioniso podia ser como uma criança ao embriagar-se, mas o Menino Deus é a própria Inocência encarnada. A minha gratidão para com o Teatro não é somente para com quem me deu um ofício, um meio de sobreviver, mas principalmente para com quem - não me envergonho de dizer - me deu a Vida.

Quem sabe seja eterna...

Salve Maria Santíssima! Viva o Menino Jesus! Viva a Inocência Invencível!