3 de maio de 2015

"Interstellar", de Christopher Nolan - a salvação da humanidade pela ciência




O talento do diretor está lá: a montagem de tirar o fôlego, a fotografia quase documental, a direção de arte caprichada, os efeitos visuais realistas, a sutileza da trilha de Hans Zimmer... e a escritura algo desesperada, embora genial, do roteiro que sempre escreve com o seu irmão Jonathan Nolan. A dupla de roteiristas/diretor consegue uma coisa difícil de arrancar hoje do público médio de hoje: uma paciência extrema do público com as suas temáticas, que o faz engolir sem reclamar elipses narrativas colossais, numa aposta constante na inteligência do espectador (o espectador que cansa dos filmes de Nolan é aquele que quer tudo mastigadinho, sem a capacidade de preencher os 'buracos negros' da narrativa com conhecimento prévio do tema discutido na tela, e claro, um pouco de imaginação). Ele exige também, ainda que de forma um pouco mal-educada, MUITA paciência.


A metodologia de Nolan de escrever/dirigir filmes parece mesmo inspirada na mecânica de uma viagem interestelar: ele lança um foguete rumo ao nada, vai abandonando módulo após módulo em sucessivas arrancadas, acopla para iniciar uma viagem à velocidade da luz, coloca-nos em animação suspensa, até nos acordar e finalmente nos convencer do que bem entender, deixando-nos a flutuar pelo desconhecido - afinal, já realizamos uma jornada praticamente sem volta. Foi assim em Memento, na Trilogia Batman e em Inception. Sem tempo para pensar demais, somente para escolher entre 'continuar sonhando' ou abandonar a sala de projeção, o espectador logo se vê imerso na linearidade inversa do filme estrelado por Guy Pearce, na sociologia fantástica de Gotham ou na metafísica onírica do mundo dos sonhos de Leonardo DiCaprio. Ora, é cinema, 'Rapid- Eye-Movement', 'sonhar acordado'. Christopher Nolan sabe que lida com viciados em um mundo de fantasia. 

"Interstellar" insere-se na tradição de filmes de viagens espaciais em algum lugar no meio de um gráfico que bolei que tem numa ponta a mitologia Star Trek e noutra a saga Alien - o mais radical otimismo sobre o espaço e o destino da humanidade no cosmos, também presente de alguma forma na saga Star Wars de George Lucas; e o pessimismo fatalista e 'nietzschiano' da saga de Ridley Scott, no qual o universo exterior só reserva morte e desespero.

O filme de Nolan já é pessimista pelo pano de fundo da aventura através da visão de uma Terra em franco processo de destruição via desastre ambiental. O ser humano é uma praga, um gafanhoto, a outra ponta de um processo desastroso - iniciado por Deus ou pelo acaso que seja - , uma anomalia, uma bizarrice sem lugar nem conformação alguma na natureza, uma aberração ecológica. Ora, essa é toda a implicação ontológica do ambientalismo: se o homem destrói o planeta por seu simples processo de ser homem, Deus errou. Ou Ele não existe, pura e simplesmente. E se existe há de nos colocar à beira da extinção obrigando-nos a buscar uma nova morada nas estrelas. Seja lá o que for que nos transformou em homens sapiens capazes de praticar capitalismo e construir indústrias poluidoras, errou feio em nos tirar da condição de macacos fofos e harmônicos. Calma, é Nolan, relax and dream...

Em suma, 'nolanamente' somos jogados em uma jornada que - de elipse em elipse, como de costume - nos transporta a conceitos como 'singularidade', 'hipercubos', 'buracos de minhoca', etc. Se 'nolanamente' o autor/diretor coloca "o amor" pra cimentar tudo o que com muita dificuldade encontra algum liame, nada mais evidente do seu talento hollywoodiano de fazer parecer palatável algo tão complexo como Teoria da Relatividade. E tudo muito 'nietzschiano', claro; com o Eterno Retorno ali substituindo qualquer tentação de se falar em Causa Primeira, Criador, Deus, que seja. Todas as 'coincidências' são auto-geradas pela ação do próprio homem. Tudo muito cientificamente correto, com uma ajudinha do Amor e dos laços familiares. Pessoalmente, aprecio mais a honestidade do 'Prometeu' do Ridler Scott (apesar dos clichês terríveis), bem menos preocupado em dar respostas para tudo.

No gráfico que proponho, "Interstellar" certamente orbita ali pelo meio: pessimista na premissa, mas algo otimista nas possibilidades de sobrevivência do homem, ainda que por meio exclusivo da ciência e da tecnologia, mesmo que estas sejam também a causa da ruína da espécie humana com a sua necessidade de exaurir os recursos do planeta. Podia ser um samba do crioulo doido, mas não é: é Nolan. E você é um viciado em cinema. Você é um viciado em sonhar acordado por duas a três horas, mesmo que tudo faça pouco ou nenhum sentido. E Nolan tem sido um dos melhores fornecedores de entorpecimento cinematográfico dos últimos tempos.

Um comentário:

  1. Tenho um blog, o Cine Reacionário. Realmente, gostei de sua crítica. Tem um filme excelente, o Jindabyne, com Laura Linney que fala sobre a culpa ocidental pelas mazelas do mundo, a culpabilização penal do homem branco, devido a um homícidio que afligiu uma garota indigena. Enquanto o verdadeiro culpado está solto, um trabalhador que prendeu o corpo da jovem em uma árvore para ele não ser levado pela correnteza, é condenado publicamente e a imprensa insufla os ânimos dos indigenas. É um filme excelente.

    ResponderExcluir

O único troll aqui sou eu!!!